Uma metodologia praticada há mais de quatro décadas tem ajudado pessoas do mundo inteiro a transformar o sofrimento em relação aos desafios vividos neste mundo em empoderamento pessoal, resultando no fortalecimento de todos em agentes de mudança. Criado pela escritora e ativista ambiental Joanna Macy, o The Work That Reconnects (“O trabalho que reconecta”, em tradução livre) incentiva a realização de rodas de conversa, meditação, canto, exercícios para o corpo e experiências terapêuticas que estimulam a reconexão consigo mesmo, com as outras pessoas e com o planeta.

O trabalho começou nos anos 1970, quando se tornou ativista contra o uso da energia nuclear. Foi ali que ela decidiu organizar vivências para estimular a fala das pessoas em relação às suas dores. Ela chegou a realizar mais de de cem workshops em um único mês, totalizando milhares por ano em países como Alemanha, Inglaterra, Austrália, Canadá, Brasil, Japão, Israel, França, Sri Lanka, Noruega, Suíça, Suécia e Itália. Uma das oficinas mais marcantes aconteceu na Rússia, em 1992, em apoio à população impactada pelo acidente nuclear de Chernobil, ocorrido em 1986.

A metodologia inspirou também a criação de cursos como o Educação Gaia, criado pela ecovila Findhorn, na Escócia, que capacita profissionais para desenvolver soluções criativas e eficientes para a crise de sustentabilidade. Tal iniciativa foi reconhecida pelas Nações Unidas como Contribuição Oficial à Década Internacional da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014).

Em entrevista ao Believe.Earth, ela revela por que esse trabalho pode ajudar a construir um futuro melhor para todos.

Close do rosto de uma mulher idosa, cabelos grisalhos e curtos, olhos claros, usando uma camisa vermelha e brincos de pequenas argolas metálicas. Ela olha fixamente para a câmera.

Joanna Macy: “Precisamos nos libertar. Não podemos reagir se colocarmos a cabeça dentro da areia” (Adam Shemper)

Believe.Earth (BE) – Como nasceu o The Work That Reconnects?
Joanna Macy (JM) – Eu estava trabalhando pela saúde do planeta e de todos os seres por meio do ativismo contra a energia nuclear e a produção de armas e percebi que ninguém queria falar sobre doenças em futuras gerações e morte. Vi que não queriam conversar a respeito de outros problemas também, como a poluição ou o plástico que ocupa cada vez mais espaço no mundo. Por que estão em silêncio? Não é porque há ditadura e eles serão punidos por falarem, mas porque estão com medo de sentir a dor que existe dentro deles. Aí pensei: como tirar as pessoas desse amortecimento psíquico? Nós precisamos nos libertar disso. Não podemos reagir se colocarmos a cabeça dentro da areia.

O The Work That Reconnects nasceu para nos ajudar a ver realmente o que está acontecendo com o nosso mundo, a falar sobre a verdade que sentimos, a encarar nossa dor. Com o tempo, aprendi que esse trabalho não apenas nos ajuda a ver, mas também nos abre igualmente ao amor e traz leveza ao coração. Nossa dor e nosso amor pelo mundo são inseparáveis, dois lados da mesma moeda. Precisamos dessa consciência mais do que nunca.

BE – Qual é o maior legado do seu trabalho?
JM – Publiquei o primeiro livro há 35 anos. Eu tinha pressa, porque sabia que iria ajudar as pessoas e a Terra. Eu dei esse trabalho ao mundo, transformei-o em open source, não tenho nenhum copyright, nem controle, nem propriedade intelectual. Preferi que ele se espalhasse. As pessoas, então, começaram a ler os livros e a fazer os workshops. Muitas delas, nunca conheci, não sei seus nomes e nem de onde são. Mas sei que o The Work That Reconnects tem sido praticado em muitos lugares. Sinto-me grata por ter sido útil.

BE – Você conhece algumas histórias sobre onde seu trabalho tem sido utilizado?
JM – Sim! Ontem, por exemplo, recebi uma carta de uma mulher do Zimbábue, na África. Ela aprendeu esse trabalho comigo na Schumacher College, na Inglaterra, em 1994. Voltou ao Zimbábue e começou a utilizá-lo em encontros que passou a chamar de “Árvore da Vida”. Alguns anos depois, pessoas passaram por momentos muito difíceis sob a presidência de Robert Mugabe. Estavam sendo torturadas, presas. Nessa carta, ela me disse que não estávamos em contato havia 24 anos, mas que ouviu um podcast comigo e lembrou do nosso encontro. Ela conheceu homens e mulheres que foram torturados e enviados a prisões e decidiu usar o The Work That Reconnects para que falassem sobre o enorme trauma que carregavam, o isolamento que sentiam, as torturas. Ao final, as pessoas estavam sorrindo e abrindo-se umas às outras. Essa mulher ofereceu workshops a milhares de pessoas.

BE – Como seguir em frente diante de forças contrárias?
JM –  Ninguém é capaz de mudar tudo, mas, se estamos na Terra e ela em nós, seguimos em frente porque sabemos que fazemos isso com sua força, seu apoio. Existem tantas pessoas em sofrimento, ansiosas para sair de onde trabalham, mas sem poder fazer isso porque sabem que comprometeriam sua saúde, sua moradia. Há forças maiores do que as mãos humanas – como as corporações, que tomam decisões apenas para aumentar seus lucros. Mas mesmo o presidente de uma empresa pode tentar mudar a direção. Existem aqueles que podem trabalhar pela Terra, que têm a chance de fazer isso. Não podemos esperar isso de todos, mas podemos dar apoio a eles e esperar que nos apoiem também.

E, sabe, existem coisas maravilhosas acontecendo. Tantas pessoas estão trabalhando, tantas! Isso é o que eu chamo de “A Grande Virada”. Talvez possamos fazer nossa parte mostrando força de vontade, pois essa é nossa real vocação.

PARA SABER MAIS  

Joanna Macy já escreveu mais de dez livros e seu trabalho pode ser acessado através deste link. Veja outros materiais abaixo (todos estão em inglês):