Atualmente, no mundo todo, um volume enorme de resíduos é despejado em lixões e aterros sanitários, desperdiçando uma oportunidade extraordinária de se produzir energia a partir do “lixo”.

Todavia, em vários países, já existem usinas que utilizam o processo chamado de biodigestão anaeróbica, a decomposição de matéria orgânica que ocorre na ausência de oxigênio, gerando biogás e um resíduo líquido rico em minerais que pode ser utilizado como biofertilizante.

E agora o Brasil também dá os passos iniciais na produção deste tipo de energia. Está localizada na região metropolitana de Curitiba, a primeira planta industrial do país que transforma o lodo gerado pelo tratamento de esgoto e resíduos orgânicos em energia. A usina CS Bioenergia, que está em fase de pré-operação, é resultado de uma parceria entre a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) e a empresa Catallini.

Instalada junto à Estação de Tratamento de Esgoto Belém, no município de São José dos Pinhais, a planta usa o lodo gerado pela estação e resíduos orgânicos – sobras de verduras, frutas, legumes e outros alimentos – coletados diariamente em shoppings e supermercados da região (veja como ela funciona no vídeo ao final da entrevista abaixo).

Quando estiver em pleno funcionamento, a CS Bioenergia terá capacidade para gerar 2,8 MW de energia, o suficiente para abastecer 2.100 unidades consumidoras ou 8.400 pessoas.

O Conexão Planeta entrevistou o presidente da Sanepar, Mounir Chaowiche, que explicou mais detalhadamente a produção do biogás neste projeto pioneiro no Paraná.

Ao centro, uma usina branca e cinza. O mesmo domo branco da foto anterior, com o nome e símbolo da empresa CS bioenergia. Atrás do domo, duas estruturas redondas igualmente grandiosas. Ao fundo uma estrutura branca retangular. O espaço que a usina se encontra é de chão de terra. Em volta, uma vegetação cheia de árvores. Ao fundo é possível ver água e, ainda mais ao fundo, traços de uma cidade.

(Divulgação/CS Bioenergia)

Conexão Planeta (CP) – Esta é a primeira usina biodigestora do Brasil?
Mounir Chaowiche (MC) – É a primeira usina do Brasil com a tecnologia de biodigestão anaeróbia de grande porte e que processa simultaneamente lodo de esgoto e resíduos orgânicos.

CP – Como ela funciona?
MC – A usina foi projetada para receber lodo de esgoto proveniente da Estação de Tratamento de Esgoto Belém e resíduos orgânicos de grandes geradores, os quais são devidamente condicionados e encaminhados para biodigestores anaeróbios. Nesses biodigestores a matéria orgânica presente nos materiais é transformada, gerando biogás. O biogás é, então, recuperado, tratado e encaminhado para grupos motogeradores capazes de transformá-lo em energia elétrica. A energia térmica remanescente do processo de geração de energia elétrica é recuperada e utilizada para aquecer os biodigestores, aumentado as taxas de produção de biogás. Além disso, a energia térmica é utilizada para secar e higienizar o material remanescente da biodigestão, o qual pode ser empregado como biofertilizante. A energia elétrica gerada é consumida pela própria planta e o excedente é injetado na rede da concessionária local. Neste momento, a etapa de geração de energia elétrica está em fase de comissionamento. A etapa de produção de biofertilizantes somente será desenvolvida quando a usina estiver em operação plena.

CP – É utilizada a mesma porcentagem de lodo de esgoto e resíduos orgânicos?
MC – O maior volume é de lodo de esgoto, sendo 2/3 de lodo e 1/3 de resíduos orgânicos.

CP – O lodo do esgoto precisa ser tratado?
MC – O processo dispensa o tratamento químico do lodo de esgoto. Ele apenas passa por uma etapa preliminar de desaguamento para aumento do teor de sólidos e redução de volume.

CP – Qual foi o custo da usina?
MC – 62 milhões de reais.

CP – Qual o custo da energia produzida na usina comparado ao da gerada por outras fontes?
MC – Ainda não temos como precisar essa informação. Cabe destacar que a energia elétrica é apenas um dos vetores da receita da usina. A planta foi concebida originalmente para processo resíduos de forma sustentável. Trata-se, portanto, de uma central de tratamento de lodo de esgoto e resíduos orgânicos.

CP – Visitei uma usina similar na Suíça e havia reclamação de vizinhos sobre o cheiro no local. Ocorre o mesmo problema aqui?
MC – Não há problemas com maus odores, pois as operações unitárias são enclausuradas e os materiais são gerenciados de forma sustentável. O lodo de esgoto é guiado por tubulação dedicada e os materiais orgânicos passam por um separador, sendo na sequência também guiados por uma tubulação dedicada. Todos os gases gerados no processo de biodigestão são captados e queimados com alta eficiência.

CP – Qual será a capacidade total de produção de eletricidade quando em operação plena? Ela já está em operação plena?
MC – A planta está em fase de comissionamento e, portanto, ainda não estamos em operação plena. Na primeira fase a potência elétrica instalada será de 2,8 MW. Na sequência, a planta será ampliada podendo admitir uma potência elétrica instalada de até 5,6 MW.

CP – O custo/investimento da usina compensa a energia produzida (residências atendidas)?
MC – A usina foi concebida para o tratamento de resíduos, não apenas para a produção de energia. Dessa forma, a usina tem fontes de receita alternativas à geração de energia elétrica e é ideal para o tratamento sustentável dos resíduos orgânicos e de lodo de esgoto, valorizando os materiais que antes eram simplesmente dispostos em aterros sanitários de forma competitiva.

CP – Quais as principais vantagens de uma usina de biogás?
MC – A principal vantagem da nossa usina é o tratamento sustentável de resíduos que permite a geração de energia limpa e renovável.

CP – Há planos de construção de outras usinas no estado do Paraná?
MC – Sim, estamos na fase de negociação e constituição de Consórcios Intermunicipais para tratamento de resíduos sólidos no estado. Dentre as premissas para desenvolvimento desses consórcios está a valorização energética e sustentável dos resíduos. Na área de esgoto, a Sanepar também desenvolverá projetos de recuperação energética de biogás. Adicionalmente, recentemente, adquirimos um financiamento junto ao banco alemão KfW que possibilitará o desenvolvimento de projetos de eficiência energética de pelo menos oito estações de tratamento anaeróbio de esgoto, incluindo a recuperação energética de biogás.