Em 2018, a Constituição brasileira comemora 30 anos, mas, para muitos, não há o que celebrar. Não é de se negar que ainda enfrenta desafios para sua efetivação e que tem sofrido duros ataques: no que toca a política de austeridade vigente, ao corte de garantias trabalhistas e a tantos outros direitos. Mas não podemos perder do horizonte que a Constituição é uma conquista social importante – fruto de ampla participação social e resultado de intensa construção política. Uma esperança e uma resposta, forjada no Direito, às violências, ao silenciamento e às privações do período ditatorial. Uma verdadeira guinada à democracia.

Temos, sim, muitos desafios na garantia de direitos fundamentais a todas e todos e na superação de desigualdades. Mas é preciso ter em mente que muito do que temos hoje – como os avanços na universalização da educação, a existência de um sistema público de saúde, os programas de assistência social –, se deve ao que está assegurado na Constituição.

Um artigo, em especial, merece atenção e parece sintetizar o projeto de país gestado:

O artigo 227, o qual assegura absoluta prioridade aos direitos de crianças e adolescentes e afirma que esse dever é responsabilidade compartilhada entre poder público, famílias e sociedade como um todo.

Assim, seja na formulação de leis, na construção de políticas públicas, na elaboração de orçamentos, no oferecimento de serviços ou em qualquer situação em que crianças e adolescentes estejam envolvidos, o seu melhor interesse deve ser atendido em primeiro lugar.

Importante destacar que a construção de tal norma foi fruto de emendas populares apresentadas no âmbito do debate constituinte e contou com ampla participação da sociedade. Por isso é fundamental ter em mente: criança e adolescente em primeiro lugar foi uma escolha de projeto de país.

Mas, então, por que esse tema não é pauta dos debates políticos no país? Apesar da importância da garantia de prioridade absoluta, a grande maioria da população não sabe o significado da expressão (17%) ou não possui compreensão plena de seu conteúdo (83%), conforme dados do Datafolha. No entanto, vale destacar: quando apresentados ao conteúdo da garantia de prioridade absoluta, a imensa maioria (94%) dos entrevistados se posiciona a favor do cumprimento da norma, diante da percepção de que isso não está sendo respeitado, nem pelo governo e nem pela sociedade.

Precisamos, então, trazer crianças e adolescentes e a norma constitucional da prioridade absoluta para o centro dos debates. Estamos em ano eleitoral e é necessário cobrar de candidatas e candidatos o compromisso de colocar infância e adolescência em primeiro lugar.

Pode parecer ingênuo lembrar que o artigo 227 da Constituição garante prioridade absoluta à infância e à adolescência. Afinal… Leis para que? Direitos para quem? A Constituição é capaz de evitar a morte de meninas e meninos sem se saber seu nome, seu rosto ou seus sonhos?

O contexto de perdas e retrocessos pode, sim, fazer desanimar por alguns instantes, mas o fato é que é preciso continuar a resistir e a insistir: crianças e adolescentes têm de estar em primeiro lugar na preocupação de todas e todos. E se leis apenas não bastam, precisamos de mais. Não podemos fechar os olhos para a morte brutal de crianças e adolescentes. Precisamos frear a onda de retrocessos que assola o país. Devemos cobrar o Estado para que orçamento, políticas e serviços públicos assegurem os direitos à infância e adolescência brasileiras.

É fundamental assegurar eficácia às tantas normas que já existem. A Constituição não é, e nem deve ser tratada como letra morta. Ela importa e deve pautar o debate eleitoral à medida que representa nossas garantias básicas enquanto cidadãs e cidadãos brasileiros. Por isso, é preciso a mobilização de todas e todos para que nossos direitos tão duramente conquistados sejam, verdadeiramente, respeitados e para que crianças e adolescentes sejam nossa prioridade absoluta.

*Advogada graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduanda em Políticas Públicas para Igualdade na América Latina pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso). Atua como advogada do programa Prioridade Absoluta do Instituto Alana e Conselheira do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).