Lançados no Brasil no início da década, os serviços de mobilização social (também chamados sites de petições ou abaixo-assinados) têm sido cada vez mais usados como instrumento de pressão popular. As duas principais plataformas desse tipo de serviço, Avaaz e Change.org reúnem, juntas, mais de 300 milhões de usuários no mundo. No Brasil, são 12 milhões de usuários (somados os dois serviços) e aproximadamente 1,3 mil novas petições por mês. Mas, afinal, esses serviços funcionam como instrumento de pressão? A resposta é sim, desde que haja engajamento.
Boa parte das petições é entregue às autoridades em mãos. Um caso recente de grande repercussão foi o banimento, pela União Europeia, dos chamados neonicotinóides, uma classe de pesticidas que vem reduzindo a população de abelhas. No dia 16 de abril, 11 dias antes de uma reunião da Comissão Europeia que decidiria a questão, uma equipe de ativistas da Avaaz entregou uma petição, na época, com 4,4 milhões de assinaturas, aos representantes dos países-membros do bloco solicitando o banimento dos pesticidas. Ao todo, essa mesma petição atingiu mais de 5 milhões de assinaturas. No dia 27 de abril, foi aprovado o banimento dos neonicotinoides, medida que deverá entrar em vigor até o final do ano.
A rigor, respeitados os termos de uso dos sites (que proíbem campanhas com temas como o estímulo à homofobia e ao racismo, por exemplo), qualquer pessoa pode criar uma petição sobre qualquer assunto, como explica o diretor de campanhas da Change.org, Rafael Sampaio. O serviço seleciona algumas petições consideradas importantes criadas por seus usuários e fornece a eles consultoria gratuita visando a aumentar as chances de sucesso.
Já a Avaaz cria, em alguns casos, suas próprias petições ou pode “adotar” um abaixo-assinado já existente. Em 2013, por exemplo, o serviço apoiou uma petição pedindo o fim do voto secreto nas votações mais importantes no Congresso Nacional. A petição, na época com 430 mil assinaturas, foi entregue ao senador Pedro Taques, autor de um Projeto de Lei sobre o assunto. Depois disso, a equipe da Avaaz realizou uma série de ações de pressão. Durante a votação do projeto, o então presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, reconheceu a importância da petição. “Foi a solução que encontrei para uma resposta rápida desta Casa, e aqui estão, por exemplo, 650 mil assinaturas que me foram entregues agora pelo voto aberto.” Como resultado do trabalho, a chamada PEC do Voto Aberto foi aprovada, determinando, assim, o fim do voto secreto nas seções que tratam de vetos presidenciais e de cassações de mandato.
Um dos pontos críticos do modelo de atuação dos sites é a checagem da veracidade dos milhares, às vezes milhões, de e-mails recebidos. O que está em jogo, aqui, é a credibilidade dos serviços. De modo geral, os serviços trabalham com protocolos e algoritmos para garantir a inexistência de assinaturas fraudulentas. Sempre que um e-mail suspeito é identificado, é apagado e descontado da base de assinaturas.
Não há um número mínimo de assinaturas para apresentar uma petição a um tomador de decisão. Isso depende do contexto da campanha – se destinada a empresas ou governos, por exemplo e se a petição se dispõe a resolver uma questão local, nacional ou global. A estrategista internacional de campanhas do Greenpeace Graziela Tanaka, explica que, no caso da organização ambiental que representa, como se tratam quase sempre de petições destinadas a resolver problemas globais, a ordem mínima de grandeza são as centenas de milhares de assinaturas. Mas, para os casos de interesse local, até a centena pode ser a referência. “É importante ter em mente que existem diversos tamanhos de causas e é nossa missão dar voz a todas elas. Isso é criar empoderamento”, avalia o diretor-executivo da Change.org, Lucas Pretti.
Um exemplo é o do designer Daniel Graf, morador da zona oeste de São Paulo: ele criou uma petição, dirigida à Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), solicitando um ajuste no tempo de abertura de um semáforo que dificultava que os pedestres atravessassem uma avenida. Foram necessárias apenas 703 assinaturas para a mudança.
Independentemente do tamanho da causa, o importante é que a petição seja acompanhada de ação. “O abaixo-assinado é a ponta do iceberg e tem de vir com outras ações, como o trabalho de ativistas on e offline e encontros com voluntários”, explica o coordenador de Campanhas da Avaaz, Diego Casaes.
O trabalho pode envolver o cyberativismo – com tuitaços, por exemplo -, protestos “reais” (como no caso da recepção aos deputados no dia da decisão sobre o voto secreto) e um trabalho menos visível de advocacy – que envolve o acompanhamento legislativo em relação a temas ligados à petição, a identificação de políticos aliados da causa e a participação em audiências nas casas legislativas. “É um trabalho menos visível, mas de uma enorme importância”, explica Graziela, do Greenpeace.
A coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos, Camila Asano, tem uma opinião parecida: “A petição precisa ser lançada no contexto de uma campanha”. Em 2016, a instituição lançou uma petição visando à aprovação de uma nova lei de imigração, em substituição ao Estatuto do Estrangeiro, em vigor desde a ditadura militar. O abaixo-assinado, com cerca de 9 mil assinaturas, foi entregue à presidente da Comissão Especial que analisou o Projeto de Lei na Câmara, deputada Bruna Furlan. O projeto foi aprovado e, em novembro do ano passado, a nova lei entrou em vigor, com avanços como, por exemplo, um repúdio formal à xenofobia e uma proibição da detenção por questões migratórias. Camila explica que, embora a quantidade de assinaturas seja relativamente baixa, considerando que se trata de uma questão de âmbito nacional, o abaixo assinado teve um papel importante na discussão sobre o projeto.
Embora já sejam oficializadas em outros países, as petições não têm validade legal no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, é possível criar petições no site oficial da Casa Branca (para que seja aceita, é preciso conseguir um mínimo de 100 mil assinaturas em até 30 dias). No Reino Unido, é possível encaminhar petições ao Parlamento, desde que sejam apresentadas pelo menos 10 mil assinaturas.
Por aqui, a figura oficial que mais se assemelha a uma petição é o Projeto de Lei de Iniciativa Popular, atrelado a requisitos como ser assinada por 1% do eleitorado e contar com o número do título de eleitor de cada signatário. Mas seria o caso de aprovar uma lei oficializando as petições? Os especialistas veem essa possibilidade com ressalvas. “Se as pessoas tivessem de informar o número do título de eleitor, por exemplo, a quantidade de assinaturas cairia drasticamente. Outro debate que se coloca é a respeito de privacidade. A sociedade estaria disposta a permitir que os serviços tivessem acesso a um mailing com o número de título de eleitor de milhares de pessoas?”, questiona Pretti, da Change.org.
Casaes, da Avaaz, avalia que atualmente as petições já são levadas a sério pelas autoridades. “Já fomos recebidos mais de uma vez pelo presidente da Câmara e pela presidente do STF para a entrega de abaixo-assinados.”
Publicado em 22/08/2018